terça-feira, 17 de dezembro de 2013

A BATALHA MARROQUINA

Há dias que não durmo. Sou refém da minha angústia desmedida e da minha esperança sem fim. Um insignificante soldado alvinegro a aguardar ansioso e, confessadamente, temeroso as batalhas desta semana. Impotente e entregue ao destino, faço-me recorrer à mística cotidiana, à superstição banal e, nos momentos de desespero, aos Deuses do Futebol. Peço-lhes êxito na empreitada e rogo, envolto em humildade, que abençoem o uniforme preto e branco, transformando-o na mais forte e temível armadura já criada.    


sexta-feira, 18 de outubro de 2013

O DRIBLE

Quando o baixinho ponta esquerda dominou a bola, todos tiveram um lampejo  de certeza de que ela passaria à posse do zagueiro arque-rival. Estava a pouco mais de um metro dele. Para surpresa geral, todavia, quando o beque pensou em dela se apossar para sair jogando, um biquinho sorrateiro traiu a passada do defensor que, atônito e a vendo lamber seus pés, deu-se conta de que o avante lhe ultrapassava pelo lado oposto sem que nada pudesse fazer.  Mesmo assim, cambaleante, tentou barrar-lhe a investida usando o corpo robusto e os braços longos, sem sucesso contudo. O que viu na sequência, já sem ação, foi o pequenino e invocado atacante ajeitar o quadril fora da área, arrematar com rara felicidade e, por fim, sair correndo em direção à arquibancada, celebrando, mais do que o gol, o drible descomunal.

 

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

O ZAGUEIRO E A BOLA

A bola alçada na área sob o olhar atento de todos, parece, como uma criança que busca conforto e carinho no colo da mãe, flertar sem qualquer resquício de culpa com a cabeça raspada do zagueiro alvinegro de quase dois metros. É como se lhe desse imensurável prazer a expectativa de ser testada na direção do gol, num arremate fatal. Foi assim no ano passado, tem sido assim neste ano. A verdade é que, aos olhos do torcedor atleticano, de tão caricata e manjada, a jogada que prestigia o enlace de bola e defensor se transformou num trunfo infalível, com contornos explícitos de crueldade. Um marcante e agradável capítulo da história do futebol, no qual os personagens antes mesmo do desfecho final parecem saber o deslinde do lance: a bola no fundo do gol extasiada pela cabeçada fulminante, o beque, transbordando felicidade, correndo com os braços abertos na direção das arquibancadas e a defesa adversária atônita e impotente diante da jogada mortal.

 

 

terça-feira, 13 de agosto de 2013

PÊNALTI INDISCUTÍVEL

A bola arremessada da lateral surpreendentemente alcançou a área adversária e, ao mesmo tempo em que se ofereceu para o domínio e para o arremate a queima-roupa do rápido ponta de lança alvinegro, também se colocou ao alcance do bom zagueiro carioca insinuando-se feito uma mulher de poucos modos. Duas eram as opções naquele momento: ou teria como destino nos pés do atacante as redes brancas do gol ou, nos pés do defensor, as abarrotadas arquibancadas inferiores. A seqüência do lance, todavia, revelou um cenário improvável. É que o desesperado beque, inebriado pelo cheiro inconfundível do quase gol e na ânsia de se antecipar ao ligeiro ponteiro, não atingiu a promíscua pelota como era de se esperar. Ao invés disso, deixou-a passar intocada enquanto desferia um chute certeiro na boca do estomago do franzino avante que, contorcendo em dores, esparramou-se na área pequena à espera da confirmação do pênalti indiscutível. Ao árbitro bastava apenas apontar a marca da cal e assoprar com força o apito, mas o que se viu, infelizmente, foi a celebração da covardia estampada na inércia injustificada do homem de preto.


"JOGAMOS COM MUITA RAÇA E AMOR"

Sem raça a alma alvinegra definha e o coração atleticano é quase levado a óbito, por isto que para o torcedor do galo não imposta necessariamente se o chute balançou as redes ou se os passes foram dados com precisão matemática, mas sim, se toda bola foi disputada com afinco e se todo o suor possível foi derramado em campo antes do apito final. O que move o atleticano é o brio e a perseverança, além da indelével certeza de que no dia em que faltar empenho dentro das quatro linhas, o melhor será fechar as portas do clube para não manchar a rica, emocionante e saudosa história escrita até aqui.

sábado, 3 de agosto de 2013

O IMPRUDENTE BAIXINHO

Quando o ligeiro e franzino jogador de pernas alegres ficou de frente para o gol e se deparou com a bola à feição para o arremate derradeiro, sem titubeios e com categoria, meteu-lhe a perna esquerda estufando as redes do xará paranaense. No instante seguinte, extasiado com o som vindo das arquibancadas, correu inebriado e amarelado na direção dos torcedores e despindo a camisa alvinegra, ao invés de reverenciá-la e homenageá-la como seria curial em face do tamanho da história que carrega, simplesmente a jogou no gramado deixando-a desfalecer retorcida num canto frio e molhado do tapete verde.  Só depois de algum tempo tiveram o cuidado de pegá-la e desamarrotá-la, mas ai já era tarde demais, eis que o árbitro, sensibilizado com tamanha desfaçatez, tirou do bolso o cartão vermelho e, em nome da tradição futebolística,  ergueu-o no ar mandando mais cedo para o chuveiro o imprudente baixinho bom de bola.



AMOR ATLETICANO

Quando a bola explodiu no poste esquerdo pondo fim ao confronto, um som quase palpável ecoou das arquibancadas e atravessou os céus, varrendo quarteirões a quilômetros de distância. E de uma forma quase indescritível revelou ao mundo a grandeza do amor atleticano. Amor que de tão sólido resistiu por mais de um século às mais sofridas derrotas e às mais inexplicáveis e insensatas eliminações. Amor que de tão inebriante manteve viva a esperança da conquista no âmago de almas apaixonadas e, até então, pouco correspondidas. Amor que de tão universal transcendeu o espectro mundano e ganhou contornos místicos e espirituais. Amor que de tão grandioso sobrepôs-se aos outros de natureza carnal e pôs fim a muitos casamentos carregados de insensatez. Amor que de tão intenso fez e faz chorar como criança o mais destemido dos homens e sorrir o mais sisudo deles. Amor que de tão bonito comove pela sua gratuidade e pela inabalável certeza de que nunca se esvairá, seja nos mais conturbados momentos, como nos mais injustificáveis fracassos.